Hard Truths: um esnobado do Oscar

Neste domingo, torceremos por alguma vitória de Ainda Estou Aqui nas três categorias em que o filme está indicado ao Oscar. É o sentimento de final da Copa do Mundo acompanhado de um clamor por justiça depois da esnobada a Central do Brasil e a Fernanda Montenegro em 1998. Porém, esse cenário tão agradável que vivenciamos, obviamente, barrou outras produções. Na categoria de Melhor Atriz, por exemplo, a vaga que hoje é de Fernanda Torres foi disputada, dizem, com outras duas performances de peso: a primeira, de Pamela Anderson, em The Last Showgirl (2024), e a segunda, da inglesa Marianne Jean-Baptiste, protagonista do sutil e impactante Hard Truths (2024), que a própria Fernanda Torres já comentou como sendo uma das performances mais interessantes da temporada.

Na trama, dirigida pelo multifacetado Mike Leigh, Jean-Baptiste interpreta Pansy, uma mulher descompensada, irritada, grosseira e de uma verborragia negativa que beira o descontrole. Tudo a incomoda, e ela justifica, repetidamente, seu desbalanço como fruto de suas condições físicas de saúde. Porém, existe algo por trás disso: uma dor psicológica causada por um luto mal elaborado e muito longe de ser superado.

Num estudo de personagem dos mais rebuscados e delicados dos últimos anos, Leigh e Jean-Baptiste repetiram uma parceria iniciada em Segredos e Mentiras (1996) e trabalharam, como em muitos dos filmes do realizador, na construção dessa personagem de maneira compartilhada e colaborativa. É assim que os filmes de Leigh surgem: no improviso. No começo, existe uma vaga ideia, um objetivo ou um recorte, e o resultado é conquistado a cada dia com ensaios, como uma escavação, refletindo as décadas de experiência de Leigh no teatro inglês. Hard Truths é dessas pequenas pérolas em que não há explosões nem grandiosos pontos de virada. É o dia a dia ordinário, repleto das dificuldades de todo ser humano e suas batalhas, internas e externas. Como em uma das mais belas e dolorosas cenas do filme, em que Jean-Baptiste passa do riso ao choro em minutos. Desconcertante e com uma sensação de claustrofobia, de uma mulher refém do passado, que lembra, indiretamente, a performance de Fernanda Torres em Ainda Estou Aqui.

Texto para coluna de cinema do jornal A Hora do Sul, edição impressa conjunta de 1 e 2 de março de 2025.