O Rio de Janeiro continua lindo… e violento. Entra e sai governo, e a violência, o tráfico e a corrupção assolam o cartão-postal do nosso país. É algo estrutural, já ramificado e que não parece ter contenção, exceto fingir costume e viver em meio ao caos. Porém, existem momentos em que alguém decide andar contra a corrente. No começo dos anos 2000, uma idosa encarou o tráfico e a corrupção policial ao filmar e denunciar o óbvio pela janela de sua casa. Baseado em fatos reais de uma batalha de Davi contra Golias, Vitória (2025), estrelado por Fernanda Montenegro, chegou às salas nesta temporada de Fernandas. Depois da Torres, chegou a hora da matriarca brilhar.
E é realmente difícil falar do filme dirigido por Andrucha Waddington sem falar de Fernanda. Não somente pelo fato de a atriz ser a protagonista, mas pela forma como ela se apropria do filme como um todo e o torna acessível ao público. Claro, seria interessante encontrar um filme diferente, de uma complexidade e profundidade de personagens e situações ainda maiores. Mas, ao final da projeção, é notável a busca por ser popular ao apresentar seus temas. Surpreende até mesmo que o filme, em sua primeira parte, seja econômico nos diálogos, deixando para Fernanda a apresentação da personagem por meio de gestos, movimentos e ações, confirmando uma capacidade ímpar que poucas conseguem: receber um material mediano e transformá-lo da melhor forma para o espectador.
Logo, é compreensível certa frustração, pois são muitos os fatores que jogam a favor de Vitória: uma grande atriz que dispensa apresentações, um diretor de trabalhos exemplares no nosso cinema e uma narrativa tradicionalmente brasileira, que resgata as desigualdades sociais, o tráfico e a violência, com o adicional de uma idosa junto a um jornalista numa queda de braço contra um sistema condenado. Mesmo Waddington entregando um filme apenas correto — o diretor assumiu a produção após o falecimento do diretor e produtor Breno Silveira. É bom saber que o cinema brasileiro pode voltar a encontrar seu público muito além das já saturadas comédias “farofeiras” e, ainda mais, pelos olhos de Fernanda Montenegro.
Texto para coluna de cinema do jornal A Hora do Sul, edição impressa conjunta de 15 e 16 de março de 2025.