Com passagem rápida pelas salas pelotenses, Código Preto (2025) foi uma dessas pérolas de um cinema alegórico que decide falar de temas como relacionamentos e o casamento em meio a um filme meticuloso sobre o universo da espionagem. É um filão dentro do gênero de ação, mas que, nas mãos do diretor norte-americano Steven Soderbergh — que figura como um dos mais interessantes e versáteis ao lado de Paul Thomas Anderson —, a trama ganha contornos ainda mais especiais.
Versátil e dono de um poder de síntese louvável, já que algumas de suas produções não possuem mais do que uma hora e meia, Soderbergh mantém o espírito criativo de sua gênese no cinema independente. De volta ao cartaz nas salas locais, o cineasta agora nos apresenta Presença (2024). Com ares de terror, mas que, na verdade, é um suspense psicológico que trabalha também, delicadamente, questões de linguagem e forma, o diretor mergulha em mais uma alegoria para falar de conflitos geracionais e de uma família imersa na incomunicabilidade.
Realizado com uma câmera subjetiva, pelo ponto de vista da “presença” do título, o filme é bem mais do que uma história sobre um espírito preso a uma casa no subúrbio de Los Angeles ou sobre a família que para lá se muda. É sobre a desconexão entre as pessoas e falta de empatia. Depois da morte de duas amigas, a filha da família começa a sentir, na casa, a presença de algo que busca se comunicar com ela. Soderbergh se distancia do óbvio — trilha sonora intensa e sustos previsíveis — e nos coloca diante da incógnita dos objetivos dessa presença, que descobrimos juntamente com o próprio fantasma que pouco sabe qual o seu objetivo ali.
A busca aqui é colocar o espectador mais do que nunca como observador, nessa visão quase “gameficada” na tela. Por vezes, esquecemos que somos parte da narrativa, como o a tal presença que assiste a tudo. Mas Soderbergh está lá para lembrar-nos disso — e de que, talvez, o que há de mais aterrorizante não resida no sobrenatural.
Texto para coluna de cinema do jornal A Hora do Sul, edição impressa conjunta de12 e 13 de março de 2025.